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O Médico Não É Substituível: a falácia da performance e a erosão da humanidade na prática médica

30 de julho de 2025 por
O Médico Não É Substituível: a falácia da performance e a erosão da humanidade na prática médica
Am Comunicacoes, Fernando Carbonieri
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O Médico Não É Substituível: a falácia da performance e a erosão da humanidade na prática médica

Por Fernando Carbonieri e Alexander Buarque

Na linha de montagem de uma fábrica, a lógica é simples: uma peça quebrada pode — e deve — ser trocada para que o sistema continue operando com eficiência. Mas o que acontece quando essa mesma lógica é aplicada à medicina, aos profissionais de saúde e, mais especificamente, aos médicos?

Infelizmente, é o que temos visto em muitos sistemas de saúde contemporâneos: uma cultura silenciosa de desumanização, que trata o médico como peça substituível. Essa ideia, profundamente enraizada em modelos gerenciais inspirados na indústria, compromete não apenas o bem-estar dos profissionais, mas a segurança do cuidado e a essência do ato médico.

A lógica da substituibilidade: de onde vem?

Inspirada em modelos tayloristas e neoliberais de gestão, a lógica da substituibilidade entende o trabalhador como recurso — e o recurso, como custo. Isso gera um ambiente onde o foco está na produtividade bruta: número de atendimentos, metas de procedimentos, indicadores de performance. O médico, nesse contexto, passa a ser mensurado pela sua “entregabilidade”, e não pela sua escuta, vínculo, sensibilidade ou capacidade crítica.

Essa cultura se fortalece especialmente em instituições que valorizam turnover como prática operacional, minimizam a curva de aprendizado e ignoram o impacto emocional e relacional da presença médica contínua. Substituir um profissional se torna, muitas vezes, mais “eficiente” do que treiná-lo, integrá-lo ou ouvi-lo.

Mas a medicina não é uma linha de produção. O médico não é uma peça industrial. E a saúde não se mede apenas em números.

O impacto silencioso: burnout, cinismo e desligamento emocional

Essa cultura operacionalizada em nome da eficiência tem um custo humano alto: burnout, adoecimento psíquico, cinismo moral e perda de propósito. Médicos se tornam emocionalmente exaustos, começam a se desconectar dos pacientes e de si mesmos, e desenvolvem um sentimento de inutilidade ou até ressentimento em relação à profissão que um dia foi sonho.

Estudos já mostraram que ambientes com alta rotatividade médica, falta de reconhecimento e ausência de cultura de pertencimento estão diretamente associados a:

  • aumento nos erros assistenciais;

  • maior uso de psicotrópicos entre médicos;

  • perda de empatia clínica;

  • abandono precoce da carreira assistencial.

A diferença entre recurso e pessoa

Tratar o médico como um “recurso humano” é perder de vista que o cuidado é uma construção relacional. O paciente percebe quando está diante de alguém presente, disponível, conectado — e quando está diante de alguém apenas “cumprindo meta”.

Nenhum software, nenhum algoritmo e nenhuma padronização consegue substituir a presença humana genuína. O médico é, muitas vezes, o primeiro ponto de apoio para alguém em vulnerabilidade. Reduzir esse encontro a uma entrega quantificável é subverter a essência do cuidado.

A reinvenção do modelo: o médico como sujeito, não como engrenagem

Para superar a lógica da substituibilidade, é necessário repensar os sistemas de saúde sob três pilares:

  1. Pertencimento e onboarding estruturado

    O médico precisa entender onde está, por que está ali e qual é seu papel no todo. Isso exige acolhimento, integração e clareza desde o primeiro dia.

  2. Reconhecimento multidimensional

    Reconhecer não é apenas pagar bem — é dar feedbacks, valorizar iniciativas, permitir autonomia e ouvir ativamente os profissionais.

  3. Gestão humanizada com visão de ciclo de vida profissional

    Assim como o paciente evolui, o médico também passa por fases. Sistemas inteligentes devem adaptar-se a isso, oferecendo desafios, pausas, formação contínua e escuta em cada etapa da jornada.

Conclusão: é preciso devolver a dignidade à prática médica

A medicina precisa reencontrar sua humanidade. E isso começa por enxergar o médico como ele é: um ser humano que cuida de outros seres humanos. Substituível? Apenas se aceitarmos que o cuidado também o seja. E isso, nenhum de nós deveria aceitar.

Na Talent Match, acreditamos que o médico é insubstituível enquanto agente de vínculo, escuta e transformação. Se você é médico e sente que perdeu a conexão com o propósito da sua prática — ou se é gestor e quer transformar a cultura institucional da sua organização — fale com a gente. Nossa missão é reconstruir a experiência da carreira médica com mais sentido, estratégia e humanidade.

📌 Artigo relacionado:

Reconhecimento e Propósito: o que realmente sustenta uma carreira médica

🎧 Ouça também o episódio completo com Alexander Buarque no podcast da Academia Médica.

O Médico Não É Substituível: a falácia da performance e a erosão da humanidade na prática médica
Am Comunicacoes, Fernando Carbonieri 30 de julho de 2025
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