Pausas Salvam Vidas: o que a fisiologia tem a ensinar à performance médica
Por Fernando Carbonieri e Alexander Buarque
O imaginário coletivo ainda insiste em exaltar o médico incansável: aquele que vira noites, acumula plantões e nunca diz “não”. Essa figura, vendida como símbolo de dedicação, é, na verdade, um retrato perigoso de um sistema que negligencia uma das verdades mais fundamentais da biologia: o corpo humano precisa de pausas. E o cérebro médico também.
No episódio do podcast da Academia Médica com Alexander Buarque, mergulhamos em um tema pouco discutido, mas essencial: como os ritmos biológicos e as pausas regulares impactam diretamente a saúde, a tomada de decisão e a qualidade do cuidado médico.
Medicina exige performance — mas performance exige biologia respeitada
O cérebro humano não foi projetado para operar em hiperatividade constante. O sistema nervoso precisa de ciclos de ativação e recuperação para manter funções como atenção, memória, raciocínio clínico e regulação emocional.
A ausência de pausas, somada a condições ambientais inadequadas (ruído, luz artificial intensa, temperatura extrema), leva a um declínio progressivo do desempenho — mesmo em médicos altamente treinados. Isso não é preguiça, é fisiologia.
Alexander reforça no episódio: “Após 16 horas de vigília contínua, já começamos a ter reflexos comprometidos semelhantes ao de uma embriaguez leve. Antes da luz elétrica, acordávamos com o sol. Hoje, tentamos vencer o corpo com cafeína e plantões estendidos.”
A importância do ritmo circadiano no raciocínio clínico
O ritmo circadiano — nosso “relógio biológico interno” — regula não só o sono, mas também a produção de hormônios, o metabolismo e até o humor. Quando esse ritmo é desrespeitado, entramos em um estado de alerta artificial, que até pode funcionar por algumas horas, mas cobra um preço alto depois: exaustão, irritabilidade, falhas cognitivas e maior risco de erro.
Ambientes que não consideram iluminação adequada (luz fria pela manhã, luz quente ao final do dia), pausas programadas e carga horária realista estão colocando a segurança do paciente e do médico em risco.
Pausar não é luxo — é elemento crítico de segurança assistencial
Imagine um cirurgião que operou sem descanso, um intensivista que está em sua terceira noite seguida ou um residente que dormiu duas horas nas últimas 48h. Essas situações, ainda comuns, não deveriam ser toleradas como “parte do jogo”, mas reconhecidas como riscos sistêmicos à saúde pública.
Pausar é reoxigenar a mente, permitir que a memória de curto prazo se organize, que o juízo clínico se refine, que o corpo se recupere.
As pausas são, portanto:
um fator de proteção psíquica;
um recurso cognitivo;
e um ato ético de autocuidado.
O papel da liderança médica e das instituições
Criar ambientes que respeitem ritmos biológicos e promovam pausas significativas é uma decisão de governança clínica e de gestão humanizada. E isso começa no exemplo: líderes que fazem pausas, respeitam os limites e estimulam o descanso validam essa prática como parte da cultura institucional.
Instituições que querem atrair e reter talentos médicos precisam ir além do salário e da escala: precisam oferecer qualidade de vida baseada em evidência. Afinal, médicos saudáveis cuidam melhor. Médicos exaustos não salvam vidas — sobrevivem.
Conclusão: produtividade não é estar sempre fazendo — é saber quando parar
O futuro da prática médica depende da nossa capacidade de reconciliar alta performance com respeito aos limites humanos. E esse futuro começa com um gesto simples, mas revolucionário: a pausa consciente.
Na Talent Match, acreditamos que excelência médica não nasce da exaustão, mas do equilíbrio entre ciência, propósito e saúde integral. Se você é médico e sente que está operando no limite, ou se é gestor e quer criar uma cultura institucional mais segura e sustentável, fale com a gente.
Vamos juntos construir um modelo de carreira médica onde pausar também seja um ato de coragem e competência.
📌 Leitura recomendada:
→ Ergonomia como Pilar da Prática Médica
🎧 Ouça o episódio completo com Alexander Buarque no podcast da Academia Médica.